quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

No Ônibus




O ônibus passa perto do rapaz no chão, agora separado da moto que já está um tanto quanto distante.
Em pé uma mulher chorando fala ao telefone.
Que saberá o rapaz da dor do choro da mulher que nada sabe da dor do rapaz no chão?

O amigo ampara a cabeça do rapaz com a sua própria cabeça erguida procurando entre os prédios a ambulância que virá da rua.
O motorista guia a ambulância precisamente entre os carros numa pressa imprecisa.
Que saberá o motorista da procura do rapaz que nada sabe da pressa da ambulância?

As pessoas ao meu redor, passageiros cheios de curiosa compaixão, olham sem nada poder fazer. Apreciam o tétrico espetáculo de dor, choro e esperança.
A moça ao meu lado, sem dor, choro, esperança, curiosidade nem compaixão apenas dorme e o ônibus segue viagem.

sábado, 24 de maio de 2008

Pedro e Luzia

Luzia achava que amava Pedro.
Pedro amava Luzia.

Luzia estava cheia.
Pedro amava Luzia

Luzia desanimou.
Pedro amava Luzia.

Luzia gritou.
Pedro partiu amando Luzia.

Luzia chorou.
Pedro embarcou amando Luzia.

Luzia sentiu saudade.
Pedro soluçou amando Luzia

Luzia supirou amando Pedro
Pedro quase naufragou olhando a foto de Luzia.

Luzia cultivou o amor solitário.
Pedro esqueceu o amor não correspondido.

Luzia estava cada dia mais apaixonada.
Pedro estava cada dia mais vazio.

Luzia esperou Pedro.
Pedro não voltou.

Luzia amava Pedro.
Pedro não amava mais Luzia.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Tragédia Grega


Olhamos e no olhar
Unimos nossas almas
desafiamos a lógica
e gritamos aos deuses
que se calassem diante
de nossos beijos de amor

Eles loucos gritaram
ante a nossa heresia
e de todos os lados
os ventos dessa ira
sopraram nossas máscaras
e nos encheram de dor

Esquecemos do olhar
nas palavras lutamos
na personalidade do outro
nos perdemos do começo
despencamos no final
frio, feio e sem cor

terça-feira, 20 de maio de 2008

A Curva do Metrô


Silvio estava numa crise de criatividade. Ele precisava escrever o seu próximo livro, mas não conseguia pensar em nada bom. Andava de metrô com seu filho Silvinho porque o menino queria ir no shopping.

- Pai, onde é a curva do metrô?

Silvio tinha problemas com as perguntas do filho. Silvinho tinha 6 anos e estava naquela época da vida em que as que as dúvidas seguem decobertas, e essas por sua vez seguem mais dúvidas, e não se tem medo de perguntar.

- Como assim meu filho?

- Curva do metrô pai! O metrô não vai e depois volta?

- Sim Silvinho.

- Então, ele não tem que fazer uma curva pra voltar?

Silvio ainda estava digerindo seu problema na mente e resolveu que teria que eliminar de forma rápida a dúvida do filho para poder voltar a pensar.

- O metrô anda pros dois lados filho. Ele não precisa fazer curva pra voltar. O condutor do metrô vai pra outra ponta do metrô e ele começa a andar pro outro lado.

- Ah tá. – Respondeu Silvinho olhando pra janela do metrô emburrado.

Silvio percebeu um ar de decepção do menino. Tentando entender o que na resposta dele tinha magoado o menino pergunta:

- Que foi filhão? O pai falou alguma coisa de errado?

- Não pai, é que a curva do metrô parecia ser um lugar tão legal.

Um ano mais tarde Silvio lançou um livro infantil chamado “As Histórias da Curva do Metrô.”

Conto de Um Encontro


Eles se encontram.

Ela pensa. Ele está atrasado. Eu odeio quando ele se atrasa porque ele não tem motivos pra se atrasar. Quando será que ele vai tomar jeito?

Ela pensa. Eu detesto essa calça e além disso o tênis dele está sujo. Poxa, será que custa limpar o tênis pra sair comigo? E essa calça, eu vou procurar um bom momento pra comentar da calça dele.

Ele sorri. Ela sorri de volta.

Ela pensa. Droga, será que deu pra reparar que eu não passei delineador hoje? Ah, ele é um insensível que não repara em nada, ele nem vai reparar que eu não passei o delineador.

Ela pensa. Desgraçado! Olhou a bunda da menina que passou! E daí que eu não tenho uma bunda que nem a dela? Pelo menos teve a decência de disfarçar. Nem sei porque eu estou com ele!

Ela pensa. Ele vestiu a camiseta que eu dei de presente pra ele. Pelo menos uma bola dentro ele tinha que dar. Ai meu, eu não acredito que ele tá com esse chapéu que eu odeio! Definitivamente ele não sabe se vestir. Definitivamente eu não sei porque eu ainda estou com ele.

Ela pensa. Ainda por cima tem aquele recado que a menina deixou para ele na internet. Ele não percebe que ela está dando em cima dele? Acho que ele percebe e finge que não tem nada! Eles gostam dessas meninas que ficam paparicando eles.

Ela pensa. Droga, quinze minutos atrasado. Acho que vamos perder o começo da peça. Eu odeio Nelson Rodrigues. Não queria ver essa peça. Mas ele insistiu tanto. Não sei mesmo porque estou com ele. O pior de além de insistir na peça que eu não queria ver ainda chega atrasado!

Ela ainda pensa em mais um bocado de coisas no espaço de tempo entre avistá-lo e encontrá-lo.

Ele pensa. Ela deve estar brava com o atraso, mas ela está linda.

Ela não diz nada.

Ele diz boa noite.

Ele pensa. Eu amo essa menina.

Então eles se abraçam e por um instante não pensam em nada.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ana Voava


Ana voava
No céu semi-nua
Brincava de lua
E escandalizava

Cidade pequena
Sem entender
Queria esconder
A fada morena

Mas Ana brincava
O céu o seu lar
Seu ser singular
Ninguém afetava

O padre perneta
Ficou revoltado
Disse indignado
Que era o capeta

O pai, por Deus
Pediu que descesse
Antes que padecesse
Da fúria dos seus.

Ana fugiu
No meio da noite
Em chuva de açoite
Ficando febril

Viu a cidade
De Carros e luzes
Luas e cruzes
Nova novidade

Desceu e então
Virou um frisson
Ganhando neon
E televisão

Depois o jornal
Depois a igreja
Depois a peleja
Intelectual


Voltou para casa
Dessa vez a pé
Voltou à sua fé
Fugindo da NASA

Então se casou
E teve menina
Chamada Celina
Nunca mais voou.

Mas hoje Celina
A lua olhou
E leve voou
Sem medo da sina.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Na Janela


Era fim da tarde e ela tomou um banho demorado. Se arrumou como fazia todo dia e foi para a janela esperar. A notícia do último mensageiro tinha boas chances de estar correta.
Ela não estava sozinha nessa. Diversas mulheres aguardavam na porta de suas casas. Eles, os maridos, partiram em três grupos. O dela foi com os primeiros, pois era um dos mais fortes.
Os olhos cheios de esperança, esperaram. No horizonte os últimos raios de sol morriam quando ao longe se vê a nuvem de fumaça e o canto de vitória. O trote dos cavalos aos poucos vai aumentando. Os guerreiros, que na verdade são pastores, erguem orgulhosos os seus bastões.
Ela procura avistar seu querido no meio da nuvem de areia. Mas a bandeira que tremula é a do terceiro grupo. Ela tem ainda esperança. Ouve vindo das outras casas a alegria das outras mulheres. Elas pegam os bastões das mãos de seus maridos e honram com a dança a arma que os trouxe de volta vitoriosos. Ela se imagina dançando também. Ensaia alguns passos e dança sozinha em casa. Continua a dançar até ficar exausta, deita no chão e dorme. Ele não voltou hoje.
No dia seguinte repete o ritual. Os homens que chegaram no dia anterior disseram que talvez seu marido regresse com o segundo grupo que ficou desmontando as barracas. Mais uma vez ela se banha. Mais uma vez se arruma. Mais uma vez espera na janela. Já é noite alta mas ela não interrompe sua vigília. Quando seus olhos estão prestes a fechar ouve-se novamente a cantoria, mas dessa vez com menos ânimo. Acendem-se as tochas das casas e as mulheres, muitas das quais desarrumadas já, correm ao encontro da nuvem iluminada pelas tochas dos guerreiros. Na mão os bastões. Repetem-se os abraços e as danças. Felicidade no meio da noite. Mas ele não voltou dessa vez.
Ela passa agora um mês repetindo o mesmo ritual. Aguarda ansiosa todo dia na janela. Depois de algumas semanas, passa a dormir na porta da casa. Já não se arruma mais e nem se banha. A esperança vai se esvaindo até que numa manhã insone vê surgir ao longe novamente a nuvem, dessa vez sem cantoria. Poucos homens montados voltam carregando alguns bastões. Um deles desmonta, vai até a porta dela e deixa aos pés dela um bastão. O bastão do seu marido. Ele não voltará mais.
Ela pega o bastão, dança e finalmente dorme tranqüila.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Sob a Pedra


Vou escrever numa pedra
Todos os meus grandes feitos

Vou escrever também os erros
E os nomes dos meus amores

Escreverei também todos meus desafetos
E o resultado das minhas lutas

Vou escrever o que eu penso de você
E o que eu penso de todo mundo

Vou escrever também o que eu penso do mundo
E como eu cheguei na pedra.

Depois, quero ser enterrado debaixo dela
Pois sempre me falaram para pôr uma pedra sobre tudo isso.

Até o dia que alguém a remover.

Monólogo Canalha


Senhoras e senhores, eu sou um canalha.

Digo hoje sem hesitar.

[No canto uma mesa. Nesta um maço de cigarros e ao lado do maço um isqueiro, uma garrafa de uísque e um copo]

Canalha como assim foram canalhas os que vieram antes de mim, e como serão os que depois virão. Cada um vil na sua estirpe de vilania.

Cada um cruel em seu próprio gosto pela crueldade.

Mas canalha.

[Acende um cigarro]

Não vil, como vilões que são perseguidos pelos heróis, mas herói canalha em sendo vil somente aos próprios olhos.

Não cruel como os que de humanos já tem pouco, mas cruel no sentido da crueldade que só pode ser alcançada nas sombras de ser humano falho na sua plenitude.

[Enche o copo, e silencioso, olhando a rota da fumaça, traga a bebida como se perdido no amargor]

Rio dos que choram e faço outros sofrer para meu riso.

Critico sem conhecer, e conheço fingindo não ter criticado.

Escravo do veneno da mentira, minto quase que pra mim mesmo e me satisfaço sabendo que me engano, e de preferência, a outros também.

Amo a todos sem amá-los e odeio a mim, antes de todos, sem assim deixar de ser amado.

E na farsa dos que jamais amaram, me perco de amores a quem quiser me dar atenção. Falso amor do mais real falsário.

Me engano às vezes pensando que agora sim, sou normal, completo. Mas a sombra da vilania...

[traga longamente o cigarro]

...a sombra da vilania está ali contínua e esguia como a fumaça...

[solta a fumaça]

...então se espalha maior e volta a ser a fétida nuvem da canalhice que já chamaram de alma.

Nessa, os amores desfeitos e as promessas quebradas mancham o canalha como canalha que ele é.

[toma mais um gole do copo]

Mas o mundo é grande para canalhas de alma suja, assim como sempre haverão vítimas.

E sempre haverão canalhas como eu.

Canalhas de corpo e alma.

Vítimas da própria canalhice.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Meus Discos Preferidos


Os discos são como as pessoas.

Primeiro, porque dizem que apesar de você escolher boa parte dos discos, os melhores, os seus discos preferidos te escolhem como que por coisa do destino.

Depois porque seus discos vão mudando conforme a sua vida vai mudando. Os mais antigos vão ficando gastos e riscados, e muitas vezes não tocam mais.

Existem várias coisas que substituem seus discos. Existem por exemplo suas contrapartes eletrônicas que têm uma qualidade de som superior. Mas quem gosta de discos sabe que falta alguma coisa, como uma alma, que o disco tem.

Uma coisa complicada é emprestar discos. Uma vez comprei um no sebo que trazia escrito à caneta na capa “Disco se emprestar não volta, se voltar não presta.” Quem já emprestou discos sabe bem do que eu estou falando.

Existem os discos que você compra pela capa, os que você compra por gostar da música e ainda os que você compra por indicação de um amigo,

Tem discos que você só gosta de uma ou duas faixas e tem discos que você não se sente satisfeito até ouvir os dois lados (de preferência duas vezes). Esses costumam desgastar mais rapidamente, só que você continua a ouvi-los do mesmo jeito.

De repente você acaba se enjoando desse disco que você ouviu de mais e o joga num canto. Ele fica por lá um tempão até que um dia você acorda e sente uma vontade louca de ouví-lo. Aí você procura, encontra e tem um prazer prolongado em cada etapa desde olhar a capa, colocá-lo na bandeja e pôr a agulha no comecinho. Uma aura de nostalgia acompanhada de boas e más lembranças te comove e você é transportado pra uma época mais feliz.
O problema é quando você procura um desses discos e de repente descobre que ele não está mais lá.

Há ainda o disco da sua vida. Cada faixa dele é uma época da sua vida porque ele te acompanhou por muito tempo. Esse costuma ser o mais riscado. O mais engraçado é que você se acostuma tanto com as falhas dele que quando você ouve a música sem falhas acha estranho.

Eu tenho um lugar especial pros meus discos preferidos, mesmo os mais gastos e também um lugar pras minhas pessoas preferidas, mesmo as mais riscadas. Mas isso de discos já é coisa do passado. Hoje isso já não faz mais sentido.

No entanto eu prefiro continuar com o prazer, até quando Deus me conceder, de ouvir meus discos preferidos.

Ossanha



- A felicidade dela vale a sua?

A figura sinistra cheirava a folhas na cabana improvisada no meio da floresta. Ela (ou ele) tinha a pele bem negra e se vestia com folhas e palhas. Só uma das suas pernas cor de ébano estava a mostra.

É claro que Carlos achava tudo aquilo muito estranho. No começo ele achou que era brincadeira. Aconteceu muito rápido. Primeiro os olhos de uma mulher. Depois as noites sem sono. Depois os sonhos… Daí ele em desespero começou a procurá-la de todas as formas possíveis.
Encontrou-a, mas apesar da vontade de tê-la, ele não tinha coragem de falar com ela. Procurou ajuda, procurou remédio, bebida, psicólogo e valium. Nada.
Daí confessou a seu amigo que não sabia mais o que fazer. Ele solicito lhe ensinou um antigo ritual. Ele deveria ir até a mata mais próxima, e lá, perto de uma árvore deveria esfregar duas folhas e dizer “Ewé Ô!”
Feito isto, um vento que levava as folhas o levou até uma cabana estranha.

- Como assim? – Perguntou Carlos.

- Ué, se o senhor acha que as coisas na vida não tem preço se engana muito. Eu sei, e a minha magia me fez sofrer porque deixou cego quem eu queria perto.

Mas Carlos não conseguia mais dormir, e achou que aquilo lhe traria a paz. Insistiu com a figura coberta de folhas.

- Olha, lhe dou qualquer coisa por isso! Quer dinheiro? Quer minha alma?

A criatura se pôs de pé. Só tinha uma perna e agilmente pegou três folhas do chão da cabana. Levou-as ao rosto de Carlos e disse “veja”.

Num primeiro instante Carlos se viu conversando com sua amada, se viu chorando e se viu sorrindo. Depois viu-se esquecendo e enfim encontrando um novo amor.

Num segundo momento viu a sua amada presa e vidrada nele. Por onde ia ela estava atrás dele. Se viu enjoando dela. Viu um novo amor. Viu ciúmes. Viu um crime. Viu sua morte. Viu a prisão dela.

- Eu acho que mudei de idéia. – gritou carlos.

- Tarde de mais meu filho. Agora é tarde. - Fez uma pausa e depois tocando na testa dele com um bastão de metal em forma de folha continuou - Pena… amor só é bom se doer…

terça-feira, 22 de abril de 2008

O Livro

Era um livro comum. Até mesmo um livro chato.
Chegou naquelas levas de consignação na livraria, e nem a editora, nem o dono da loja sabiam porque ele havia chegado ali. Mas ali estava o livro.
Tinha cara daqueles livros chatos, sem cores chamativas. Na capa estava escrito “O Livro”. A editora se chamava Paul Trann, que era o nome do dono da editora.
Paul foi preso três anos depois quando se descobriu que usava a editora para lavar dinheiro sujo da prostituição infantil.
Como todo bom canalha brasileiro só foi receber o pagamento pelo que fez quando sangrou amarrado no banheiro do quarto de um prédio abandonado do centro velho depois de um travesti cortar com uma faca enferrujada “o pincel mágico” que ele dava para as crianças brincarem.
O empregado da livraria gigante colocou ele em ficção nacional sem se importar se era ou não nacional mesmo.

O homem de boina andava com um cara pela livraria. Queria bancar o esperto, queria que o cara ficasse com ele. Mas não era tão fácil. Ele precisava parecer legal. Por isso, depois de ler a capa de vários livros da seção de ficção nacional passando por uns caras como Causo, Mutarelli e fingindo que o livro de um tal Inácio de Loyola era muito bom, pegou um chamado “O livro” já que queria terminar logo com a pose de intelectual e foi pro caixa.
O cara era de mais, tinha cara de intelectual e era músico! Não era o corpo do cara que o homem de boina cobiçava. Era o que ele poderia ser.
Saindo da livraria, o homem de boina beijou o cara, e sem trocar uma palavra sequer subiram no primeiro motel barato que encontraram. O livro foi para debaixo da cama, onde foi esquecido no fim do período.
Ambos seguiram sua vida. O homem de boina para a casa dos pais onde acordaria cedo no dia seguinte para levar seus sobrinhos para a igreja e o cara para sua esposa e seu lar.

O livro depois de sentir as aranhas e baratas debaixo da cama encontrou (ou foi encontrado) por uma faxineira, que era coisa rara no motel.
Ela já tinha achado de tudo, mas dessa vez encontrou um livro chamado “O Livro”.
A editora era Paul Trann. A faxineira achou o nome familiar. Parece que alguém com nome parecido já tinha aparecido no motel, mas não tinha certeza.
Escondeu o livro debaixo do avental para que ninguém percebesse. Saindo do quarto deu de cara com um barrigudo careca - o dono do motel. Era um desses tipos que fica brincando com um palito de dente entre os dentes amarelos de fumar cigarro paraguaio.
“Passa o que você roubou vagabunda! Tá pensando que isso aqui é caridade?”
A faxineira sem jeito levantou o aventou e entregou o livro.
“Sai daqui antes que eu chame a policia. Ta na rua e por justa causa, sua ladra do caralho.”
Se ela não tivesse saído jamais poderia ter contado à polícia sobre o chefe que permitia a permanência de menores no motel, algumas delas sob comando do diretor de uma livraria chamada Paul Trann, que depois descobriu-se uma fachada para lavagem de dinheiro da prostituição infantil da rede de Paul Trann.

O gordo do hotel folheou o livro sem interesse, pois, como boa parte das pessoas que tiveram a mesma vida de desgraça dele, por mais que conhecesse as letras jamais entendeu o que elas queriam dizer.
Nunca pensara que um simples tiro poderia mudar a sua vida. O tiro que matou o antigo dono do prédio. O tiro que sua própria esposa deu. É claro que a mando dele. Os dois se conheceram e se casaram nesse prédio que então era um respeitado hotel da região mais movimentada da cidade. Eles planejaram tudo juntos. No dia marcado ele conseguiu a arma, carregou e instruiu a esposa. Levou o dono do hotel pro labirinto da caldeira e lá ela disparou direto na testa do velhinho que tinha apenas os dois como se fossem os seus filhos. Ela gostava do velhinho, mas amava aquele que na época não era tão gordo nem tão careca e faria qualquer coisa que ele mandasse.

Há duas semanas o velhinho tinha colocada o prédio no testamento para os dois. Mas ela era fraca. Ela era ciumenta. Quase deixou ele quando descobriu que ele teve um caso com uma garota de 14 anos. Ela não servia mais. Com 19 anos era muito velha. Por isso depois do crime depôs contra ela na policia. Ela perdeu o juízo depois do crime, e foi quase impossível retira-la de cima do corpo do único pai e mãe que ela tinha e matou. Ela não sabia o que fazer e sequer se defendeu. Nem lembrava mais quem fez ela puxar o gatilho.

Com isso o gordo herdou o prédio. Transformou o hotel num motel e conheceu um sujeito bacana, um gringo chamado Paul Trann. Ele conseguia as meninas de 14 anos e pagava muito bem pelos quartos que usava. Estava tudo fechado e nesse dez últimos anos se acumularam alem da gordura na barriga e dos cabelos no ralo, meninas com menos de 16 no seu curriculum sexual.
Jogou o livro na recepção e colocou na porta, como era seu costume fazer toda semana, a placa de “pressiza de faxinêra”.
A mocinha que o Paul lhe trouxe era loirinha e estava vendada. Estava obviamente dopada, e as dopadas eram de sua preferência.

Paul sabia fazer o seu negócio. Contou que era menina de família. Que era sobrinha de um veado. Falou que era virgem e que ele comprou a virgindade por 20 mil reais pagos em espécie para a mãe da menina. Disse que os outros dois clientes da noite já tinham lhe pago 50 mil antecipado pela menina. Que ele ia ter a honra da virgindade da menina como um pacto de que nenhum outro aliciador tomaria o lugar dele. O gordo concordou levantado o palito na boca. Levou a menina pro quarto, mas não consegui fazer nada.
Um batalhão especial da polícia invadiu o motel. O gordo teve seu corpo cravejado de balas carregado por oito homens depois que foi encontrado em um dos quartos com a menina e tentou reagir com a arma que há muitos anos deu pra sua esposa matar o velhinho. Ele conseguira a arma de volta depois de conhecer um policial que era cliente do motel.

A menina foi levada pela policia para a casa da sua mãe pela manhã, mas essa já havia fugido largando as suas outras duas filhas aos cuidados do tio, que as levaria pra igreja.
Indignado o tio queria saber quem foi o desgraçado que comprou sua sobrinha. Foi até a delegacia onde as investigações corriam soltas.
No meio das provas encontrou o livro que ele havia comprado no dia anterior no encontro com o cara. Na capa o nome de Paul Trann.
Depois de muito tempo, a policia descobriu que ele estivera no dia anterior no motel. Ele foi interrogado e disse tudo que havia acontecido.

No mês seguinte o cara compareceu à delegacia para ser interrogado. Confirmou tudo que o homem de boina havia contado.
O sangue do cara subiu, pois ele detestava essa história de pedofilia. Seu irmão mais novo foi aliciado por um desses filhos da puta. Depois de três dias, quando o garoto voltou pra casa, foi levado ao hospital para fazer exames. Ele tinha contraído o vírus HIV. Teria que ser tratado pro resto da vida.
O cara contou sobre seu irmão e falou que faria o que fosse preciso pra pegar o dono dessa merda toda.
Um dos delegados abriu o livro e percebeu que suas páginas continham pedaços de textos desconexos. Achou aquilo muito estranho.

Diversas reclamações começaram a surgir de pessoas que compraram “O Livro” da editora Paul Trann.
Depois de um processo que envolveu a defesa do consumidor, a policia e diversas livrarias, descobriu-se quem era Paul Trann.
Na sede da editora descobriram como funcionava o esquema de prostituição infantil, desde o agenciamento.
Descobriram que Paul Trann usara o motel do gordo e agora usava prédios abandonados do centro velho.
Todo processo levou três anos para ser concluído. No fim do processo depois de gritos indignados da população e reportagens em todos os jornais ele foi preso.
Mas Paul Trann tinha muito dinheiro. Alem do mais tinha muitos clientes na policia e na imprensa. Depois de comprar muita gente saiu como vitima.

No entanto o cara não tinha esquecido dele. Pintou-se e montou-se. Deu um beijo na testa do irmão, sem cabelos e fraco, uma figura esquelética na cama. Olhou pra esposa que dormia na cama como que se desculpando. Checou na bolsa se tinha tudo que precisava.
Por mais de um mês ele estudou todos os movimentos do desgraçado. Quando o carro alemão fez a curva ele encostou na janela e se ofereceu. Paul aceitou na hora. Foram pra um dos prédios abandonados. O cara podia ouvir o grito anestesiado das crianças, mas ainda não era a hora.
Esperou Paul tirar a roupa. Disse para o Paul que gostava de cordas. Paul pediu para ser amarrado.
Agora era fácil. Amarrou o porco e jogou ele no banheiro. Na mão um anti-coagulante e uma faca enferrujada. Naquele lugar esquecido por Deus com uma cacofonia de gritos o cara pode se divertir durante todo seu trabalho sem precisar se preocupar com os gritos de Paul. Levou três horas pra concluir o trabalho, pois sempre que Paul desmaiava ele esperava o desgraçado acordar.
Depois de tudo feito, jogou em cima do corpo que se debatia de dor amarrado no chão do banheiro uma cópia de um livro. Jogou sobre ele uma cópia de “O Livro”.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Mais Uma História


É tarde. Juliana nasce.
No peso normal de qualquer criança normal.
É tão bonita aos olhos da sua mãe como os outros filhos.
E não chama a atenção na maternidade.
Sua mãe a leva pra casa.

É manhã. Juliana acorda e se arruma.
Vai à escola e não tira notas baixas.
Mas também não surpreende ninguém.
Tira a nota que tem que tirar e volta pra casa.

É comecinho da noite. Juliana se arruma e sai.
Chega na festa como mais uma das meninas.
Dança como as outras meninas e encontra mais um dos meninos.
Dá um primeiro beijo como qualquer outro primeiro beijo.
Dá seu número de telefone e volta pra casa.

É de tarde. Juliana faz o vestibular.
É mais uma prova. Entra em mais uma faculdade.
Faz tudo que se esperava que ela fizesse.
Recebe mais um diploma e se torna mais uma profissional.

É de manhã. Ela entra de branco, como se espereva.
É mais uma igreja, mais um casamento.
Um noivo como qualquer outro a esperar do outro lado.
Um padre como qualquer padre faz a cerimônia.
Mais arroz, mais uma festa. E ela vai pra sua casa que é como qualquer outra casa.

É de noite. Mais um nascimento na maternidade.
Mais uma criança. Mais uma mãe.
Esse processo se repete mais uma vez depois de alguns anos.
Mais noites sem dormir. E aí mais uma família com filhos.

É de tarde. Mais uma idosa sozinha.
Mais um asilo esquecido.
Mais uma pessoa deitada na cama.
Juliana fecha os olhos cansada.
Sussurra sem ninguém ouvir "eu não queria ser mais uma..."
Juliana volta pra Deus.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

É só tristeza e a melancolia...


Celso sofria de nada.

Todo dia era a mesma nadice na sua vida. Sempre a mesma cara de nada. Sempre o mesmo jeito ausente.

Ele já fora uma pessoa brilhante e cheia de vida. Mas agora ele tinha uma tristeza meio água-com-açúcar e um olhar longe que não passava dos seus pensamentos.

Volta e meia alguém perguntava "Pô Celso, que cara é essa?" e a resposta vinha do jeito que ele sempre fazia. Olhava pra pessoa como quem acordava de um sonho e dizia "nada não, é sério, não é nada".

O nada de Celso chegou a lhe custar o emprego de vendedor. Toda a paixão que antes vibrava quando ele atendia um cliente agora resumia-se a explicação do que o cliente perguntava.

Todos fuçaram sua vida e procuraram por todos os cantos o que seria esse "nada" que tanto havia mudado o jovem rapaz.

Um dia o seu irmão acompanhou escondido todos os passos de Celso durante o dia. Andou atrás dele até no banheiro sem ser visto. Até que espreitando no quarto dele, antes que dormisse e com uma vontade imensa de desistir da busca afirmando que o irmão tinha ficado louco se surpreendeu ao ver que o irmão tirou da fronha do travesseiro a foto da sua namoradinha de infância que casara há uns três anos.

Passou o dedo sobre a foto como quem faz um carinho e catarolou bem baixinho:

"Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai"

quarta-feira, 16 de abril de 2008

terça-feira, 15 de abril de 2008

A Dança


Danço com você a dança sem música
de rosto e corpo colado
na batida do seu pulso

Tremo e temo não saber o que fazer
crio limites que eu penso que são seus
e tenho medo

Te dispo sem tocar na sua roupa
te beijo sem tocar nos seus lábios
me perco

Atrapalhado olho no seus olhos
lembro que nada aconteceu
e se vai o delírio

E vou insatisfeito
sabendo que nosso melhor momento
nunca aconteceu.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Conto de Um Café


-Mais um café!

A espera tem no fundo o silêncio incômodo.

Ela olha os outros clientes do bar e ele olha pro chão. Chega o café. Sem açúcar, do jeito que ele toma. Ele dá um gole e ela continua olhando em volta. Ele fixa os olhos no rosto dela e pergunta:

-Quando foi?

Ela olha pra ele. Estava esperando essa pergunta. Ela conhecia ele como ninguém.

-Ontém à tarde.

Ele sente um frio na barriga. Ele poderia ter evitado aquilo. Sempre se pode evitar.

-E por que? Não estávamos bem?

-Você sabe que eu me senti vazia. Às vezes você me faz sentir abandonada.

Ele desvia o olhar. As coisas não deviam fazer tanto sentido na hora imprópria. Ele não quer mais falar com ela. Olhando o padrão da tapeçaria pendurada na parede ele toma mais um gole do café.

-Você não quer mais me ver? - Ela pergunta.

-Eu não vou mais te ver. Possível que não me deixem mais te ver.

-Esses seus amigos sempre atrapalham tudo!

Ele suspira exalando raiva. Se fumasse fumaria um cigarro agora, mas ele parou. Toma mais um gole de café.

-Olha aqui - diz ela - eu acho isso ridículo. Você é ridículo. Eu sou dona da minha vida e faço o que eu quiser. Você tem mais alguma coisa pra falar comigo?

Ele levanta da mesa sem dizer nenhuma palavra. Dá cinco passos em direção da porta. Para e diz:

-Na verdade eu tenho.

Tira do bolso o revolver e dá dois tiros no peito dela. Volta à mesa e toma o resto do café. Deposita a arma do lado da cabeça dela e susurra no seu ouvido:

-Você me irrita!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

De Chico


Hoje eu acordei de Chico
Joguei uma pedra na Geni
Não pude ouvir clarim
e a roda viva levou a minha viola

E aí eu era o herói
A gente agora já não tinha medo
Nós perdemos a noção da da hora
E depois jogamos tudo fora

Fiquei com apenas uma pedra no meu peito
Quando a Rita levou meu sorriso
A moça triste que vivia calada sorriu
E só Carolina não viu

Pedi o Neruda que você emprestou
E isso foi a gota d'água
Mas eu tô me guardando
Porque amanhã vai ser outro dia.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

A minha Declaração


A minha declaração de amor eu não escrevi
Guardei na gaveta da alma
Esqueci trancada e perdi a chave
E até hoje não sei o porquê

A minha declaração de amor é silenciosa
E brota num instante do meu olhar
Também no jeito que eu ando
E muita gente já notou isso

A minha declaração de amor não existe
Porque eu nego a quem me pergunta
Não importa qual seja o motivo
Não importa o meu sentimento

A minha declaração de amor é livre
Do olhar dos que reprovam
Da inveja dos que desejam
Da incerteza de quem duvida

A minha declaração de amor você não ouviu
Porque eu nunca me declarei
Ainda que deixasse claro pra você
A minha declaração de amor