quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Resenha "O Cheirodo Ralo"

Bem galera, aqui vai uma resenha que fiz para minha aula de Edição II, acho que esse é o nome da matéria pois nunca sei os nomes das matérias da PUC-SP, por exemplo esse aula nós chamamos de literatura, já que basicamente só lidamos com discussões e aulas sobre autores e movimentos literários.
Enjoy It ^^.





A Bunda, o ralo e o dono do ralo

Essa não é uma resenha comum não, e você sabe o porquê? É que ela tem história... Todos acreditam que por atribuir valores sentimentais aos objetos inanimados seu preço será elevado, mas não para Lourenço, dono e balconista da loja de compra e venda de produtos usados de um decadente cenário metropolitano.

O autor Lourenço Mutarelli, nascido em São Paulo em 18 de abril de 1964, que cursou a Faculdade de Belas Artes porque queria pintar quadros, mas que também,como ele mesmo diz, sentia necessidade de pintar palavras levou apenas cinco dias para escrever as 140 páginas do perturbador livro O Cheiro do Ralo.

O livro narra a história do anti-herói Lourenço e seu entediante dia-a-dia na loja de compra e venda de artigos usados da qual é proprietário, mas sua vida muda quando o putrefato cheiro do ralo do pequeno banheiro entupido de seu escritório começa a tomar conta do ambiente. O protagonista começa então a travar uma luta simbólica contra o fedorento ralo, e isso muda sua vida.

Ríspida e até cruelmente a personagem inicia seus jogos com os mais diversos e característicos clientes desesperados que freqüentam o estabelecimento, travando com eles contundentes diálogos em que um quer vender e o outro nem sempre quer comprar, exceto quando o artigo oferecido é uma parte de seu pai, onde o que realmente importa é a satisfação final do anti-herói em ser aquele quem dita as regras.

É imprescindível citar a relação do mesquinho Lourenço que logo no início da trama se vê fissurado quase que psicoticamente pelo maior objeto de desejo nacional, uma bunda. Mas para a personagem essa não é somente mais uma bunda de garçonete de uma lanchonete de terceira categoria na qual tudo que se come faz mal, essa é A Bunda, e seu abissal desejo por ela o leva a entrar em um ciclo vicioso no qual estão presentes ele próprio, a Bunda e o fedorento cheiro do ralo que cresce na medida em que mais Lourenço visita a Bunda, já que para isso ele precisa ir à lanchonete comer as porcarias que lá são servidas.

Além da Bunda e do cheiro do ralo, Lourenço tem pelo menos mais uma obsessão. Durante o decorrer da trama o protagonista que não conheceu o próprio pai começa uma jornada para tentar montar seu progenitor comprando-o aos poucos, peça por peça, membro por membro, olho por olho e, utilizando o nome da personagem clássica de Mary Shelley, dá o nome de “meu pai Frankenstein” àquilo que simboliza o passado fragmentado e cheio de lacunas de sua personalidade.

Para completar o cenário ainda estão presentes inúmeros tipos diferentes de personagens, como por exemplo sua ex-noiva, a qual já havia até enviado os convites do casamento à gráfica, uma dependente química que tem papel fundamental na trama, um fantasma de mulher que assombra sua casa, a empregada doméstica que há anos trabalha para ele mas que Lourenço nunca foi capaz de decorar o nome e até mesmo uma intrigante figura que tem como realização de prazer o estranho hábito de rasgar dinheiro.

De certa forma Mutarelli personifica em seus heróis e personagens retratos da sociedade contemporânea: o trágico e burlesco, movido a decepções, fracassos e muita insegurança de um mundo ficcional totalmente desprovido de concepções ético-morais, o que possibilita ao leitor a cada nova leitura do romance descobrir novas particularidades dos heróis e novos ângulos de percepção da trama e do mesmo modo que o protagonista acaba por se habituar e, algumas vezes, até gostar do fedorento cheiro do ralo, os leitores acabam por gostar do protagonista e dos outros personagens, mesmo sendo eles mesquinhos, egoístas e manipuladores.

Sem dúvida Lourenço Mutarelli conseguiu colocar em suas personagens a mais crua e terrível essência humana, e talvez seja por causa disso que esses miseráveis retratos da sociedade se tornem tão simpáticos e próximos de nós, chegando a nos chocar no final dessa obra prima da literatura contemporânea.