quinta-feira, 1 de maio de 2008

Sob a Pedra


Vou escrever numa pedra
Todos os meus grandes feitos

Vou escrever também os erros
E os nomes dos meus amores

Escreverei também todos meus desafetos
E o resultado das minhas lutas

Vou escrever o que eu penso de você
E o que eu penso de todo mundo

Vou escrever também o que eu penso do mundo
E como eu cheguei na pedra.

Depois, quero ser enterrado debaixo dela
Pois sempre me falaram para pôr uma pedra sobre tudo isso.

Até o dia que alguém a remover.

Monólogo Canalha


Senhoras e senhores, eu sou um canalha.

Digo hoje sem hesitar.

[No canto uma mesa. Nesta um maço de cigarros e ao lado do maço um isqueiro, uma garrafa de uísque e um copo]

Canalha como assim foram canalhas os que vieram antes de mim, e como serão os que depois virão. Cada um vil na sua estirpe de vilania.

Cada um cruel em seu próprio gosto pela crueldade.

Mas canalha.

[Acende um cigarro]

Não vil, como vilões que são perseguidos pelos heróis, mas herói canalha em sendo vil somente aos próprios olhos.

Não cruel como os que de humanos já tem pouco, mas cruel no sentido da crueldade que só pode ser alcançada nas sombras de ser humano falho na sua plenitude.

[Enche o copo, e silencioso, olhando a rota da fumaça, traga a bebida como se perdido no amargor]

Rio dos que choram e faço outros sofrer para meu riso.

Critico sem conhecer, e conheço fingindo não ter criticado.

Escravo do veneno da mentira, minto quase que pra mim mesmo e me satisfaço sabendo que me engano, e de preferência, a outros também.

Amo a todos sem amá-los e odeio a mim, antes de todos, sem assim deixar de ser amado.

E na farsa dos que jamais amaram, me perco de amores a quem quiser me dar atenção. Falso amor do mais real falsário.

Me engano às vezes pensando que agora sim, sou normal, completo. Mas a sombra da vilania...

[traga longamente o cigarro]

...a sombra da vilania está ali contínua e esguia como a fumaça...

[solta a fumaça]

...então se espalha maior e volta a ser a fétida nuvem da canalhice que já chamaram de alma.

Nessa, os amores desfeitos e as promessas quebradas mancham o canalha como canalha que ele é.

[toma mais um gole do copo]

Mas o mundo é grande para canalhas de alma suja, assim como sempre haverão vítimas.

E sempre haverão canalhas como eu.

Canalhas de corpo e alma.

Vítimas da própria canalhice.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Meus Discos Preferidos


Os discos são como as pessoas.

Primeiro, porque dizem que apesar de você escolher boa parte dos discos, os melhores, os seus discos preferidos te escolhem como que por coisa do destino.

Depois porque seus discos vão mudando conforme a sua vida vai mudando. Os mais antigos vão ficando gastos e riscados, e muitas vezes não tocam mais.

Existem várias coisas que substituem seus discos. Existem por exemplo suas contrapartes eletrônicas que têm uma qualidade de som superior. Mas quem gosta de discos sabe que falta alguma coisa, como uma alma, que o disco tem.

Uma coisa complicada é emprestar discos. Uma vez comprei um no sebo que trazia escrito à caneta na capa “Disco se emprestar não volta, se voltar não presta.” Quem já emprestou discos sabe bem do que eu estou falando.

Existem os discos que você compra pela capa, os que você compra por gostar da música e ainda os que você compra por indicação de um amigo,

Tem discos que você só gosta de uma ou duas faixas e tem discos que você não se sente satisfeito até ouvir os dois lados (de preferência duas vezes). Esses costumam desgastar mais rapidamente, só que você continua a ouvi-los do mesmo jeito.

De repente você acaba se enjoando desse disco que você ouviu de mais e o joga num canto. Ele fica por lá um tempão até que um dia você acorda e sente uma vontade louca de ouví-lo. Aí você procura, encontra e tem um prazer prolongado em cada etapa desde olhar a capa, colocá-lo na bandeja e pôr a agulha no comecinho. Uma aura de nostalgia acompanhada de boas e más lembranças te comove e você é transportado pra uma época mais feliz.
O problema é quando você procura um desses discos e de repente descobre que ele não está mais lá.

Há ainda o disco da sua vida. Cada faixa dele é uma época da sua vida porque ele te acompanhou por muito tempo. Esse costuma ser o mais riscado. O mais engraçado é que você se acostuma tanto com as falhas dele que quando você ouve a música sem falhas acha estranho.

Eu tenho um lugar especial pros meus discos preferidos, mesmo os mais gastos e também um lugar pras minhas pessoas preferidas, mesmo as mais riscadas. Mas isso de discos já é coisa do passado. Hoje isso já não faz mais sentido.

No entanto eu prefiro continuar com o prazer, até quando Deus me conceder, de ouvir meus discos preferidos.

Ossanha



- A felicidade dela vale a sua?

A figura sinistra cheirava a folhas na cabana improvisada no meio da floresta. Ela (ou ele) tinha a pele bem negra e se vestia com folhas e palhas. Só uma das suas pernas cor de ébano estava a mostra.

É claro que Carlos achava tudo aquilo muito estranho. No começo ele achou que era brincadeira. Aconteceu muito rápido. Primeiro os olhos de uma mulher. Depois as noites sem sono. Depois os sonhos… Daí ele em desespero começou a procurá-la de todas as formas possíveis.
Encontrou-a, mas apesar da vontade de tê-la, ele não tinha coragem de falar com ela. Procurou ajuda, procurou remédio, bebida, psicólogo e valium. Nada.
Daí confessou a seu amigo que não sabia mais o que fazer. Ele solicito lhe ensinou um antigo ritual. Ele deveria ir até a mata mais próxima, e lá, perto de uma árvore deveria esfregar duas folhas e dizer “Ewé Ô!”
Feito isto, um vento que levava as folhas o levou até uma cabana estranha.

- Como assim? – Perguntou Carlos.

- Ué, se o senhor acha que as coisas na vida não tem preço se engana muito. Eu sei, e a minha magia me fez sofrer porque deixou cego quem eu queria perto.

Mas Carlos não conseguia mais dormir, e achou que aquilo lhe traria a paz. Insistiu com a figura coberta de folhas.

- Olha, lhe dou qualquer coisa por isso! Quer dinheiro? Quer minha alma?

A criatura se pôs de pé. Só tinha uma perna e agilmente pegou três folhas do chão da cabana. Levou-as ao rosto de Carlos e disse “veja”.

Num primeiro instante Carlos se viu conversando com sua amada, se viu chorando e se viu sorrindo. Depois viu-se esquecendo e enfim encontrando um novo amor.

Num segundo momento viu a sua amada presa e vidrada nele. Por onde ia ela estava atrás dele. Se viu enjoando dela. Viu um novo amor. Viu ciúmes. Viu um crime. Viu sua morte. Viu a prisão dela.

- Eu acho que mudei de idéia. – gritou carlos.

- Tarde de mais meu filho. Agora é tarde. - Fez uma pausa e depois tocando na testa dele com um bastão de metal em forma de folha continuou - Pena… amor só é bom se doer…