sábado, 4 de agosto de 2007

Ensaio 2

Paralisia! A voz mais perfeita e angelical do mundo lhe diz “Alô, o Senhor Flávio por favor?”
Será que Deus finalmente olhou pra ele? Flávio sentiu algo percorrer o corpo inteiro dele. Ele lera algo sobe os bichos geográficos que ficavam caminhando pela pele das pessoas. Mas como ele não tinha ido na praia recentemente dificilmente seria um bicho geográfico. Então só podia ser realmente um arrepio. Nada antes lhe causara essa impressão. “Sem surpresas” era o que Tom lhe disse nessa hora.
Flávio petrificado não conseguiu responder. Então a voz novamente pergunta “alô?”.

- Aa.... aaa.... – Flávio esboçou uma resposta.
- Alô? Tem alguém na linha?

Então tentando levantar-se do torpor Flávio se lembrou de várias poesias de Gonçalves Dias e outros poetas românticos. Pensou em agradecer à voz o prazer de ouvi-la. Mas tudo que consegui foi juntar duas sílabas e dizer:

- Aaaaa.... lô?
- Alô, que bom que tem alguém na linha, o Senhor Flávio por favor? – respondeu aliviada a mocinha, agora musa calífona de Flávio.

Nesse instante o cérebro de Flávio pensou em milhares de possibilidades que levariam alguém com uma voz tão fantástica a ligar pra ele. Entre elas em uma conspiração em que escolheram algum padrão de voz para hipnotizá-lo. Ele então decidiu que deveria pegar mais leve com os livros de ficção científica.

- Sim, sou eu. – respondeu com a voz ainda insegura.
- Bom dia senhor Flávio, meu nome é Lise e te liguei porque encontrei seu nome em nossos bancos de dados.

Lise... um nome perfeito para uma voz perfeita! Lise... como “la fleur de lis”. Realmente perfeito. Em algum lugar do seu cérebro flutuava a palavra “banco de dados”.
Depois de pensar muito no que responder (e sem deixar ela prosseguir), como geralmente fazia com garotas, respondeu a coisa mais inapropriada possível:

- Que tipo de nome é Lise?

A moça que se preparava para continuar seu texto já há muito decorado, deteu-se desconcertada por um instante. Parece que ela ouviu Tom lamentar “No alarms and no surprises please.”
Que diabos estaria acontecendo? Depois de 5 meses de telemarketing e mais de 5 mil ligações (ela tinha que cumprir uma média de pelo menos mil ligações mensais) com clientes muitas vezes rudes que já a fizeram chorar, ninguém nunca tinha perguntado a respeito do seu nome. As coisas não podiam se inverter desse jeito! Ela sabia bem que ela deveria estar no controle. Telefonar para suas amigas era uma coisa. Brigar com seu namorado pelo telefone (o que acontecia frequentemente nos últimos dias) era outra coisa. Agora o telemarketing, a ligação profissional, era uma batalha de verdade! Não se podia ter piedade da pessoa no outro lado da linha. Ou você mata ou morre... ou até pior – é demitido!

-Desculpe se pareci muito rude... mas é que nunca conheci ninguém chamado Lise. – disse Flávio tentando se salvar, mas se enterrando ainda mais. Num esforço descomunal de suas capacidades sociais tenta mais uma vez salvar a conversa – e eu particularmente achei um nome bem... – qual a palavra mesmo??? Lindo? Fantástico? Maravilhoso? Divino? Transcendental? Ele que vivia imerso num mundo de palavras acabou escolhendo a pior de todas (como sempre fazia...) – diferente!

Lise, tentava reunir os fragmentos do script que ela devia transmitir à sua presa, mas esta última sentença a deixou desconcertada novamente. Como assim “diferente”? Ela já tinha ouvido muita coisa nesses 5 meses de seu primeiro emprego. Já ouviu caras dizendo que sua voz era linda, que seu nome era lindo, recebeu propostas de casamento e outras coisas mais. Recebeu inclusive o elogio mais inusitado que poderia ter ouvido por telefone de uma mocinha de voz inocente que disse “seus seios devem ser fantásticos, se você quiser, nós podemos nos conhecer!”. Mais tarde ela descobriu que tudo havia sido uma espécie de trote de seus amados colegas de trabalho. COMO ASSIM DIFERENTE?

- Bom senhor Flávio – o que dizer agora? Sim, o discurso padrão sobre seu nome, aquele que sua mãe lhe ensinou quando a professora começou a fazer com que ela assinasse “Elise” nas provas. – Lise é um nome francês. Minha vó é de Lion e ela escolheu esse nome pois era o nome de uma tataravó dela ou algo do gênero, e minha mãe achou lindo e me batizou com ele. Recentemente eu descobri que Lise tinha sido queimada na inquisição, o que positivamente me deixou muito triste. – Que diabos ela estava dizendo para uma pessoa completamente desconhecida do outro lado da linha. E o pior agravante – UM HOMEM! Se os homens diziam “que voz linda!” queriam dizer “quero trepar com você”. Se um homem dizia “posso segurar sua blusa” ele queria dizer “quero trepar com você”. Sexo ocupa a maior parte da mente dos homens, eventualmente atravessada por outras coisas menos relevante como futebol, vícios, trabalho e as outras coisas que as mulheres têm para oferecer além do sexo (exatamente nessa ordem de importância).

-Olha Senhor, eu sou da CredMaster e selecionamos seu nome em nosso banco de dados. Estamos com uma surpreendente oferta e...
-Lise. Lise...

Cada palavra que ela dizia, mesmo que ele não tivesse prestando atenção exatamente no que ela queria dizer, era como a nota de uma música.

De repente um estalo seco. Faz-se um silêncio que até o coração de Flávio parece respeitar e o que ele não previa aconteceu.

Caiu a ligação.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Achintya-Bheda-Abheda

Vivemos na busca incessante de nos sentirmos completos. A mídia nos promete de todas as formas com os mais diversos produtos a complementação de nosso ser incompleto. As religiões nos prometem a vida plena com Deus. As drogas nos fazem sentir o todo sem filtros na busca por sermos completos. Uma carreira de sucesso ou fama nos dá a ilusão que alcançamos a plenitude. Mas quanto mais procuramos coisas para preencher esse pedaço que falta, menos as coisas parecem fazer sentido.

Já imaginou uma vida plena, completa, estavelmente feliz e segura?
Já imaginou se em um determinado momento você alcançasse tudo o que você quer?
Já imaginou viver sem metas, sem objetivos, sem buscas e sem caminhos?

A vida, por mais que nos pareça um terrível acidente estatístico, me parece incrivelmente inteligente em determinados aspectos. O fato de jamais nos sentirmos completos nos impulsiona cada vez mais pra frente. Se estamos constantemente insatisfeitos, estamos ao mesmo tempo constantemente buscando algo que nos satisfaça. Essa busca move o mundo.

É um erro acharmos que por não conseguirmos alcançar algo devemos jogá-lo de lado. Cada vez que fazemos isso reduzimos o nosso caminho, e fica mais fácil nos tornarmos estáticos. Num mundo em constante movimento o que está estático tende ao degredo.

Querer tudo, mesmo que não se possa ter tudo é algo de extrema sabedoria se feito da forma correta. A única forma de se ter tudo é abdicar do direito de ter as coisas e se tornar assim parte deste todo, de forma que o todo o tenha, e mesmo o todo sendo algo infinito, caiba em você.
Aí percebemos a importância de sermos incompletos. Isso cria a necessidade de estarmos em contato constante com os outros incompletos como nós. Seres que assim como nós voam em busca da estrela inalcançável. Nisso fazemos o mundo nos movimentar e vivemos experiências que valorizam o efêmero viver.

Sentir tudo de todas as maneiras
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.

Achintya-Bheda-Abheda é o conceito da unidade na multiplicidade. Que as coisas como um todo são completas ainda que individualmente sejam coisas incompletas, como peças de um grande quebra-cabeça. Estamos ligados a cada ser neste mundo, ainda que não queiramos.

Somos incompletos e isso faz da vida algo, que de tão interessante nos faz sofrer na busca do "ser completo". Tão interessante que nos faz sentir saudade. Tão interessante que nos faz buscar a cada segundo, algo que já está dentro de nós.

Namastê.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

CACO DE VIDRO MELHOR REMÉDIO PARA SEMANCOL






Feliz com os pés descalços andava em chão gélido para sentir as maravilhas da vida, de ser viva!
Suspirava... sonhava...

Arrumou-se pensando na volta, e se foi de encontro a partida...

Vestida como sempre se vestiu, sentiu dores agudas, dores chatas, pontadas em seu pé, parou para reclamar, xingar a puta que pariu, ofender Deus, mas não para procurar o que havia de errado.

Quando chegou mais a noitinha exclamou:

"Puots! Parece que tem um caco de vidro no meu pé" mas prosseguiu...

Em casa, depois de banhar-se, com o corpo relaxado, sonhando com seu...seu...
Ela estava procurando um apelido correto para, para...

Como não encontrava o mimo certo, sentou na posição de lótus, e com os pés mais próximos resolveu olhar o que tanto incomodara.

E lá estava! Transparente em meio ao sangue, se acomodando na carne, invadindo seu novo lar, e sendo aceito somente porque era um incomodo pequeno e dolorido na medida certa, aceitável, já que estava tão distante do campo de sua visão, aceitável porque era suportável, imperceptível aos pequenos e curtos pulos de alegria e caminhadas breves que ela dava...

Mas saibam que esta menina não deseja coisas curtas, breves...

E se não fosse a curiosidade, hoje já não estaria correndo, nem pulando como está.

Um caco de vidro salvou-lhe a vida. Um caco de vidro fez despertar a curiosidade e a ambição de querer pular nas nuvens e correr em busca de um Deus!

Mulher perfeita (just imagination)







Deus...
Sim o senhor foi perfeito. Errou em algumas coisas, mas tudo bem, vamos esperar pela evolução da espécie.

E que por mim que seja assim [*são apenas palpites]

BOTÕES! SIM!!! Não no nosso corpo, mas que tal nascermos com controle remoto e manual de instruções?

Isso seria bárbaro, iria diminuir bastante minhas reclamações, e os palavrões que costumo dizer.

Por exemplo, ao invés desta porra de sexto sentido que vive falhando, porquê não um botão detector de mentiras?

Pêlo, eu odeio pêlos! Pra que pêlos?
Pêlo só é bom no frio, já ajuda a esquentar um pouco, mas, droga! Depois nasce pelo encravado, isso quando não inflama, ou os produtos para removê-los causam alergias.
Não tem como colocar no controle “Pelo retrátil aperte aqui”

E tudo bem que a natureza é perfeita, e nos ajuda muito, mas este corpo que o senhor nos deu atrapalha em tudo!
Já estou me sentindo uma sanfona, engorda emagrece, engorda emagrece. Dá o cu mas não faz isso!
Já deveria vir no manual assim:

Castigo corporal:

Você nasceu para ser magra, pecado da gula está liberado...

Você nasceu gorda, se fudeu! Premio consolação é que existe homens com taras, os românticos apaixonados e verdadeiros (encontra-se entre 1 tipão deste em cada 100 homens) ou os do mesmo peso.

Você nasceu pra ser gostosa aproveite e seja feliz!

Ou senão no controle remoto botão com a seguinte palavra:

Cagar!

Que pra mim é igual a queimar calorias, não ter comido, esvaziar a barriga... Poxa! Iria economizar pra caramba!
Não agüento mais chá verde! Barrinha de cereal, corpus, laxante...
Tudo isso provem da natureza né?
Seu capitalista, me diz o quanto ganha com isso?

Vergonha...
Também deveria estar no controle remoto, e nos apertaríamos quando quiséssemos fazer charminho, ou seja NUNCA!
Mulher nasceu para ser atrevida, liderar guerreiros, incentivar guerras, matar sapos pra fazer macumba, queimar na fogueira, abrir as pernas para ginecologistas desconhecidos...

Botão para porcaria das trompas, ovários, óvulos, útero e o caralho à quatro...é... se bem que, por causa desta parafernália toda, nem caralho e muito menos de quatro!

Tipo, aperte o botão vermelho para menstruar, cifrão para ter filhos, criança com corda no pescoço para a porra toda em conjunto (Camisinha, DIU, tabelinha, pílula) funcionar e ser uma chacina relaxante!
Fora que a porra da menstruação (nome feio) vem justamente quando você tem balada com piscina, festa na praia, ou quer dar para seu namorado!!! Entendeu o por que de tanto palavrão?

Há! Lógico o controle remoto deve atender as necessidades femininas, se atualizando sempre que ela achar necessário, para isso ele deve ter um formato anatômico para conseguir captar as intimidades e satisfazer os novos desejos e circunstancias da dona.

O manual? Ah, claro o manual...
Ele é somente para ajudar a vida dos homens, deve ser entregue para a pessoas amada (depois de tirar a informação “Castigo Corporal”) assim, quem sabe, eles nos entenderiam por completo e nos amariam para sempre.
Como dizem por ai : “até que a morte nos separe”
Também com tudo mais simples assim, só poderia dizer AMÉM!

Homens Concretos


SE[CU]LO SELVAGEM






Em 2000 Li uma matéria do Wandi (apresentador do bem brasil-cultura) falando sobre os casais de hoje em dia...
Sobre o distanciamento, falta de compreensão, o abuso de drogas e a individualidade em uma vida a dois, falta de tempo e comunicação, ter alguém por medo de ficar só... e bla,bla, bla...


E infelizmente vi algo ontem a noite que não fiz nem questão de entender, só quis chorar como a criatura chorou...

Pois é a modernidade nem sempre é bem vinda, alias vista:

O que esperar de casais moderníssimos?

[Dialogo entre Papoula e Narigas...]

- Amor?

- Que porra é essa? Já te falei que tenho apelido e nome próprio.

- Ganhei um livro do Neruda, e pensei... Por que você não é romântico como ele? Por que não posso ser amada? Você já teve outras mulheres não teve?

- Puta que pariu, você ganhou um livro do Neruda ou Memórias de minhas Putas Tristes? Se continuar assim vai entrar pra coleção...


O resto da conversa é censurada, pois talvez não cause um bom humor...
Mas realmente falta sensibilidade e cumplicidade...
Estamos matando alguma coisa importante...

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Pense nas cicatrizes...



Pense nas cicatrizes...
Têm cheiro de barro e de bola de couro desfiada, bicicleta com corrente quebrada.
Uma queda na grama, uma topada, subida, escalada em limoeiro, pé de laranjeira, laranja da vitória, tem cheiro de galho, de esconderijo. Tem cheiro de pega-pega com vento madrigal escolar no rosto, tem cheiro de muro, bolinha de gude gelada.

E nas cores das cicatrizes? Chinelo azul havaiana, cinto marrom fivela prateada, cinza asfalto, incolor cerol, ferrugem cerca farpada do vizinho, verde musgo escorregão na pedra, vermelho sangue do nariz...

E quão estranhas são as cicatrizes invisíveis, elas não possuem cores, e quase nunca tem odores próprios, somente melodias tristes, e como podem então marcar muito mais?

As vezes essas cicatrizes surgem sem esforços, sem escaladas triunfais, sem espancamentos ou coisas assim... E sutilmente essas cicatrizes nos impedem de varias aventuras, de varias conquistas...

E por isso que ainda hoje corro na chuva, pulo corda imaginaria, puxo rabo de gato, aborreço crianças com dentes afiados, ando com o cadarço desamarrado, fecho os olhos quando pedalo, e discuto com bandido...

Mas não revelo sentimentos, e escondo a sete chaves meus pensamentos.

Tudo para poupar o triunfo de cicatrizes invisíveis...

Robinson Cruza o É




Robinson não é nome de poeta

Não há nenhum que fizesse poesia

nenhum Robinson ficou famoso

Robinson é gente feia ou quieta


Robinson é nome de quem se perdeu

ou de quem corre pra viver

de quem é famoso por hoje

e amanhã todo mundo esqueceu


Robinson que de Robin é filho

Robin que é pai invisível

Filho invisível sempre será

Porque segue do seu pai o trilho

terça-feira, 31 de julho de 2007

Ironia Vicia


Hipocrisia

ou a heroína

erva ou cocaína
O que te vicia?

Ironia!
Esse é minha vida!

Gasolina

ou a jogatina

sexo e orgia
O que te vicia?

Ironia!
Essa é minha vida!

Ler a Bíblia

aquela mania

beber todo dia
o que te vicia?

Ironia!
Pra alegrar o dia!

Andar de calcinha

na casa vazia

chocar a vizinha
é o que te vicia?

Ironia!
Essa é minha vida

Vício é a loucura

que a sua loucura resolve

porque tanta procura

se é o teu vício que te move!

Ironia! Ironia! Ironia!

Essa é minha vida

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Ensaio 1

Esse é um ensaio que eu escrevi há algum tempo. Espero que gostem (porque nem foi revisado ainda!!!)

A tarde se arrastava interminável e Flávio terminou de ler o décimo livro do mês enquanto ouvia pela décima vez Singles Vol. 1 do Smiths. Sua mãe orgulhosa sempre contava para as suas amigas que seu filho era culto e lia mais de dez livros por mês.
Na verdade, nesse momento Flávio sentia um tédio irremediável. O seu telefone tocava mas ele não tinha dinheiro pra sair. Assistira pelo menos uma centena de filmes e lera outra centena de livros. Sua cabeça estava doendo e nada lhe despertava o interesse. Então procurou em seu quarto, sedento por algo que lhe preenchesse a vida, pelo símbolo maior do poder moderno (não, não o dinheiro, pois isso ele não tinha já que estava desempregado há três meses) e encostando seu dedo no círculo vermelho no topo do sagrado artefato, ligou a TV.
Gil, Chaves, bunda, futebol, fofoca, produto milagroso, bunda, música de quinta, padre, pastor, música de quinta, pastor, música de quinta com bunda, música de quinta com pastor e bunda. É, talvez não fosse boa idéia mesmo ligar a TV.
Flávio sabia que os Domingos eram assim, e isso o deprimia. Só o consolava o fato de saber que pelo menos no Domingo outros milhões compartilhavam seu tédio. Pelo menos não estava com ressaca. Bom, antes estivesse, pelo menos teria algo que lembrar (ou não lembrar) do dia anterior.
Acabou o CD. Smiths é triste, e definitivamente ele não está triste. Está melancólico, e o dia também não está quente (pois segundo sua crença Smiths é para dias quentes, mesmo não fazendo calor na Inglaterra) e resolve colocar algo melancólico mais adaptado ao frio tropical. A voz fina de Tom York invade o quarto. Ele olha a sua volta e procura mais um livro pra tentar espantar o tédio já que Marvin havia morrido junto com Douglas Adams e as viagens espaciais dos seus momentos ociosos haviam terminado. Percebe então que não tinha nenhum livro novo. Procura na pilha por algum livro que talvez ele quisesse ler de novo.
Parecia pra ele ridículo num mundo de bilhões de habitantes, milhares de religiões, centenas de países, dúzias de lugares legais pra ir e dezenas de amigos, que ele buscasse conforto numa pilha de livros que ele já leu. Após um instante de dolorosa reflexão lhe vem a solução para os seus problemas. Iria a algum lugar onde pudesse comprar um livro novo.
Mas como iria se não tinha dinheiro? Precisava de dinheiro, assim como todos sempre precisam independente de quanto dinheiro tenham. Leu uma vez num livro do John Steinbeck que dinheiro atrai mais dinheiro. Agora que tinha uma dica, já tinha por onde começar, mas como conseguiria dinheiro se não tinha dinheiro?
Se deitou de novo na sua cama. Começou a arquitetar um plano. Faria uma empresa. Pegaria um empréstimo gordo e começaria uma empresa que emprestasse dinheiro para outras pessoas. Assim outras pessoas também teriam como atrair mais dinheiro. Assim ele atrairia dinheiro para ele também. Mas sem dúvida alguém só emprestaria dinheiro para ele se aquele dinheiro lhe fosse atrair mais dinheiro. Deve haver alguém realmente rico no topo disso tudo. O supremo imã atrator de dinheiro.
Mas definitivamente não deveria ser uma boa idéia, afinal ele teria que contratar pessoas: um contador, consultoria, pagar impostos e quem sabe propinas, depois fiança pra sair da cadeia além do advogado... Desse jeito não sobraria dinheiro para ele comprar o livro.
Então surgiu-lhe uma idéia fantástica na mente. Procuraria emprego.
Como não pensara nisso antes! Sua mãe já lhe tinha dito algo a respeito disso. Mas como aquelas coisas que as mães dizem sempre e a gente acaba anotando em “coisas a fazer para deixar minha mãe feliz”, ele deixou pra lá.
Só que agora surgira uma necessidade urgente! Precisava realmente de um livro novo e um emprego seria sua salvação. Esse pensamento que ele tirou da caixinha “coisas para o futuro” trouxe consigo várias outras coisas que ele fizera questão de esquecer apesar dos seus vinte anos, como faculdade, carreira, bens, projetos e casamento. Esse último especialmente lhe irritava profundamente e ele fez questão de devolver à caixinha.
Decidido com aquela certeza que só aparece uma vez a cada semestre (geralmente na época das provas finais ou recuperação) Flávio decidiu que na manhã da segunda-feira procuraria um emprego.
Tom York falava sobre imitações de árvores de plástico quando ele começa a traçar seu plano para procurar emprego. Ele não sabia bem por que, mas desde pequeno sempre traçava um plano para tudo que resolvia fazer. Dessa vez não seria diferente. Acertou o relógio para despertar às sete da manhã e procurou uma roupa interessante para se procurar emprego. Ele pensou em vestir algo social, mas achou que daria muito na cara que estava procurando emprego, e resolveu escolher uma boa calça jeans e camiseta para passar despercebido.
Bom, boa parte de seus problemas estavam acabados. Mas agora que ele já tinha o que vestir para procurar emprego, vários perguntas pularam em “pop-up” na sua mente: Primeiro, onde ele iria procurar emprego. Segundo, Que tipo de emprego ele estava procurando. Terceiro, seguindo a ordem lógica inversa (que era mais ou menos como a sua mente funcionava), o que ele sabia fazer. Mas a pergunta mais terrível foi: e se ele de fato conseguisse arranjar um emprego?
Neste momento o seu telefone toca. Ele atende a ligação que vai mudar a sua vida.

Em breve mais aventuras de Flávio... Aguardem!

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas...


Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Álvaro de Campos (FP) - Excerto de "Tabacaria"

Penso sempre se vale de alguma coisa tentarmos mudar o mundo, sendo que desde sempre o mundo nos mudou. Somos moldados à sua imagem e semelhança e perfeitamente adaptados às suas diversas condições climáticas, topográficas e etc.

Penso também que não só é possível mudar o mundo como também somos capazes de nos adaptar às mudanças que causamos no mundo (e os ambientalistas que nos alertam dos efeitos do aquecimento global que me perdoem aqui).
Creio que existem no mundo pessoas que gerenciam e operam o mundo e pessoas que mudam ele (teoria de Raskolnikov) e que é possível aos que possuem consciência suficiente transitar entre esses dois grupos.
Resolvi abrir um espaço para que as pessoas que talvez possam mudar o mundo (ou pelo menos possa mudar a nossa visão de mundo) , se expressar.
Textos, poesias, músicas, fotos e o que mais estiver pulando na sua janelinha nesse mundo serão bem aceitos.
Se não conseguirmos mudar o mundo, quem sabe ao menos nos chamarão de "movimento cultural".
Sejam bem vindos todos, leitores e colaboradores!
Namastê!