terça-feira, 22 de abril de 2008

O Livro

Era um livro comum. Até mesmo um livro chato.
Chegou naquelas levas de consignação na livraria, e nem a editora, nem o dono da loja sabiam porque ele havia chegado ali. Mas ali estava o livro.
Tinha cara daqueles livros chatos, sem cores chamativas. Na capa estava escrito “O Livro”. A editora se chamava Paul Trann, que era o nome do dono da editora.
Paul foi preso três anos depois quando se descobriu que usava a editora para lavar dinheiro sujo da prostituição infantil.
Como todo bom canalha brasileiro só foi receber o pagamento pelo que fez quando sangrou amarrado no banheiro do quarto de um prédio abandonado do centro velho depois de um travesti cortar com uma faca enferrujada “o pincel mágico” que ele dava para as crianças brincarem.
O empregado da livraria gigante colocou ele em ficção nacional sem se importar se era ou não nacional mesmo.

O homem de boina andava com um cara pela livraria. Queria bancar o esperto, queria que o cara ficasse com ele. Mas não era tão fácil. Ele precisava parecer legal. Por isso, depois de ler a capa de vários livros da seção de ficção nacional passando por uns caras como Causo, Mutarelli e fingindo que o livro de um tal Inácio de Loyola era muito bom, pegou um chamado “O livro” já que queria terminar logo com a pose de intelectual e foi pro caixa.
O cara era de mais, tinha cara de intelectual e era músico! Não era o corpo do cara que o homem de boina cobiçava. Era o que ele poderia ser.
Saindo da livraria, o homem de boina beijou o cara, e sem trocar uma palavra sequer subiram no primeiro motel barato que encontraram. O livro foi para debaixo da cama, onde foi esquecido no fim do período.
Ambos seguiram sua vida. O homem de boina para a casa dos pais onde acordaria cedo no dia seguinte para levar seus sobrinhos para a igreja e o cara para sua esposa e seu lar.

O livro depois de sentir as aranhas e baratas debaixo da cama encontrou (ou foi encontrado) por uma faxineira, que era coisa rara no motel.
Ela já tinha achado de tudo, mas dessa vez encontrou um livro chamado “O Livro”.
A editora era Paul Trann. A faxineira achou o nome familiar. Parece que alguém com nome parecido já tinha aparecido no motel, mas não tinha certeza.
Escondeu o livro debaixo do avental para que ninguém percebesse. Saindo do quarto deu de cara com um barrigudo careca - o dono do motel. Era um desses tipos que fica brincando com um palito de dente entre os dentes amarelos de fumar cigarro paraguaio.
“Passa o que você roubou vagabunda! Tá pensando que isso aqui é caridade?”
A faxineira sem jeito levantou o aventou e entregou o livro.
“Sai daqui antes que eu chame a policia. Ta na rua e por justa causa, sua ladra do caralho.”
Se ela não tivesse saído jamais poderia ter contado à polícia sobre o chefe que permitia a permanência de menores no motel, algumas delas sob comando do diretor de uma livraria chamada Paul Trann, que depois descobriu-se uma fachada para lavagem de dinheiro da prostituição infantil da rede de Paul Trann.

O gordo do hotel folheou o livro sem interesse, pois, como boa parte das pessoas que tiveram a mesma vida de desgraça dele, por mais que conhecesse as letras jamais entendeu o que elas queriam dizer.
Nunca pensara que um simples tiro poderia mudar a sua vida. O tiro que matou o antigo dono do prédio. O tiro que sua própria esposa deu. É claro que a mando dele. Os dois se conheceram e se casaram nesse prédio que então era um respeitado hotel da região mais movimentada da cidade. Eles planejaram tudo juntos. No dia marcado ele conseguiu a arma, carregou e instruiu a esposa. Levou o dono do hotel pro labirinto da caldeira e lá ela disparou direto na testa do velhinho que tinha apenas os dois como se fossem os seus filhos. Ela gostava do velhinho, mas amava aquele que na época não era tão gordo nem tão careca e faria qualquer coisa que ele mandasse.

Há duas semanas o velhinho tinha colocada o prédio no testamento para os dois. Mas ela era fraca. Ela era ciumenta. Quase deixou ele quando descobriu que ele teve um caso com uma garota de 14 anos. Ela não servia mais. Com 19 anos era muito velha. Por isso depois do crime depôs contra ela na policia. Ela perdeu o juízo depois do crime, e foi quase impossível retira-la de cima do corpo do único pai e mãe que ela tinha e matou. Ela não sabia o que fazer e sequer se defendeu. Nem lembrava mais quem fez ela puxar o gatilho.

Com isso o gordo herdou o prédio. Transformou o hotel num motel e conheceu um sujeito bacana, um gringo chamado Paul Trann. Ele conseguia as meninas de 14 anos e pagava muito bem pelos quartos que usava. Estava tudo fechado e nesse dez últimos anos se acumularam alem da gordura na barriga e dos cabelos no ralo, meninas com menos de 16 no seu curriculum sexual.
Jogou o livro na recepção e colocou na porta, como era seu costume fazer toda semana, a placa de “pressiza de faxinêra”.
A mocinha que o Paul lhe trouxe era loirinha e estava vendada. Estava obviamente dopada, e as dopadas eram de sua preferência.

Paul sabia fazer o seu negócio. Contou que era menina de família. Que era sobrinha de um veado. Falou que era virgem e que ele comprou a virgindade por 20 mil reais pagos em espécie para a mãe da menina. Disse que os outros dois clientes da noite já tinham lhe pago 50 mil antecipado pela menina. Que ele ia ter a honra da virgindade da menina como um pacto de que nenhum outro aliciador tomaria o lugar dele. O gordo concordou levantado o palito na boca. Levou a menina pro quarto, mas não consegui fazer nada.
Um batalhão especial da polícia invadiu o motel. O gordo teve seu corpo cravejado de balas carregado por oito homens depois que foi encontrado em um dos quartos com a menina e tentou reagir com a arma que há muitos anos deu pra sua esposa matar o velhinho. Ele conseguira a arma de volta depois de conhecer um policial que era cliente do motel.

A menina foi levada pela policia para a casa da sua mãe pela manhã, mas essa já havia fugido largando as suas outras duas filhas aos cuidados do tio, que as levaria pra igreja.
Indignado o tio queria saber quem foi o desgraçado que comprou sua sobrinha. Foi até a delegacia onde as investigações corriam soltas.
No meio das provas encontrou o livro que ele havia comprado no dia anterior no encontro com o cara. Na capa o nome de Paul Trann.
Depois de muito tempo, a policia descobriu que ele estivera no dia anterior no motel. Ele foi interrogado e disse tudo que havia acontecido.

No mês seguinte o cara compareceu à delegacia para ser interrogado. Confirmou tudo que o homem de boina havia contado.
O sangue do cara subiu, pois ele detestava essa história de pedofilia. Seu irmão mais novo foi aliciado por um desses filhos da puta. Depois de três dias, quando o garoto voltou pra casa, foi levado ao hospital para fazer exames. Ele tinha contraído o vírus HIV. Teria que ser tratado pro resto da vida.
O cara contou sobre seu irmão e falou que faria o que fosse preciso pra pegar o dono dessa merda toda.
Um dos delegados abriu o livro e percebeu que suas páginas continham pedaços de textos desconexos. Achou aquilo muito estranho.

Diversas reclamações começaram a surgir de pessoas que compraram “O Livro” da editora Paul Trann.
Depois de um processo que envolveu a defesa do consumidor, a policia e diversas livrarias, descobriu-se quem era Paul Trann.
Na sede da editora descobriram como funcionava o esquema de prostituição infantil, desde o agenciamento.
Descobriram que Paul Trann usara o motel do gordo e agora usava prédios abandonados do centro velho.
Todo processo levou três anos para ser concluído. No fim do processo depois de gritos indignados da população e reportagens em todos os jornais ele foi preso.
Mas Paul Trann tinha muito dinheiro. Alem do mais tinha muitos clientes na policia e na imprensa. Depois de comprar muita gente saiu como vitima.

No entanto o cara não tinha esquecido dele. Pintou-se e montou-se. Deu um beijo na testa do irmão, sem cabelos e fraco, uma figura esquelética na cama. Olhou pra esposa que dormia na cama como que se desculpando. Checou na bolsa se tinha tudo que precisava.
Por mais de um mês ele estudou todos os movimentos do desgraçado. Quando o carro alemão fez a curva ele encostou na janela e se ofereceu. Paul aceitou na hora. Foram pra um dos prédios abandonados. O cara podia ouvir o grito anestesiado das crianças, mas ainda não era a hora.
Esperou Paul tirar a roupa. Disse para o Paul que gostava de cordas. Paul pediu para ser amarrado.
Agora era fácil. Amarrou o porco e jogou ele no banheiro. Na mão um anti-coagulante e uma faca enferrujada. Naquele lugar esquecido por Deus com uma cacofonia de gritos o cara pode se divertir durante todo seu trabalho sem precisar se preocupar com os gritos de Paul. Levou três horas pra concluir o trabalho, pois sempre que Paul desmaiava ele esperava o desgraçado acordar.
Depois de tudo feito, jogou em cima do corpo que se debatia de dor amarrado no chão do banheiro uma cópia de um livro. Jogou sobre ele uma cópia de “O Livro”.