sexta-feira, 18 de abril de 2008

Mais Uma História


É tarde. Juliana nasce.
No peso normal de qualquer criança normal.
É tão bonita aos olhos da sua mãe como os outros filhos.
E não chama a atenção na maternidade.
Sua mãe a leva pra casa.

É manhã. Juliana acorda e se arruma.
Vai à escola e não tira notas baixas.
Mas também não surpreende ninguém.
Tira a nota que tem que tirar e volta pra casa.

É comecinho da noite. Juliana se arruma e sai.
Chega na festa como mais uma das meninas.
Dança como as outras meninas e encontra mais um dos meninos.
Dá um primeiro beijo como qualquer outro primeiro beijo.
Dá seu número de telefone e volta pra casa.

É de tarde. Juliana faz o vestibular.
É mais uma prova. Entra em mais uma faculdade.
Faz tudo que se esperava que ela fizesse.
Recebe mais um diploma e se torna mais uma profissional.

É de manhã. Ela entra de branco, como se espereva.
É mais uma igreja, mais um casamento.
Um noivo como qualquer outro a esperar do outro lado.
Um padre como qualquer padre faz a cerimônia.
Mais arroz, mais uma festa. E ela vai pra sua casa que é como qualquer outra casa.

É de noite. Mais um nascimento na maternidade.
Mais uma criança. Mais uma mãe.
Esse processo se repete mais uma vez depois de alguns anos.
Mais noites sem dormir. E aí mais uma família com filhos.

É de tarde. Mais uma idosa sozinha.
Mais um asilo esquecido.
Mais uma pessoa deitada na cama.
Juliana fecha os olhos cansada.
Sussurra sem ninguém ouvir "eu não queria ser mais uma..."
Juliana volta pra Deus.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

É só tristeza e a melancolia...


Celso sofria de nada.

Todo dia era a mesma nadice na sua vida. Sempre a mesma cara de nada. Sempre o mesmo jeito ausente.

Ele já fora uma pessoa brilhante e cheia de vida. Mas agora ele tinha uma tristeza meio água-com-açúcar e um olhar longe que não passava dos seus pensamentos.

Volta e meia alguém perguntava "Pô Celso, que cara é essa?" e a resposta vinha do jeito que ele sempre fazia. Olhava pra pessoa como quem acordava de um sonho e dizia "nada não, é sério, não é nada".

O nada de Celso chegou a lhe custar o emprego de vendedor. Toda a paixão que antes vibrava quando ele atendia um cliente agora resumia-se a explicação do que o cliente perguntava.

Todos fuçaram sua vida e procuraram por todos os cantos o que seria esse "nada" que tanto havia mudado o jovem rapaz.

Um dia o seu irmão acompanhou escondido todos os passos de Celso durante o dia. Andou atrás dele até no banheiro sem ser visto. Até que espreitando no quarto dele, antes que dormisse e com uma vontade imensa de desistir da busca afirmando que o irmão tinha ficado louco se surpreendeu ao ver que o irmão tirou da fronha do travesseiro a foto da sua namoradinha de infância que casara há uns três anos.

Passou o dedo sobre a foto como quem faz um carinho e catarolou bem baixinho:

"Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai"

quarta-feira, 16 de abril de 2008

terça-feira, 15 de abril de 2008

A Dança


Danço com você a dança sem música
de rosto e corpo colado
na batida do seu pulso

Tremo e temo não saber o que fazer
crio limites que eu penso que são seus
e tenho medo

Te dispo sem tocar na sua roupa
te beijo sem tocar nos seus lábios
me perco

Atrapalhado olho no seus olhos
lembro que nada aconteceu
e se vai o delírio

E vou insatisfeito
sabendo que nosso melhor momento
nunca aconteceu.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Conto de Um Café


-Mais um café!

A espera tem no fundo o silêncio incômodo.

Ela olha os outros clientes do bar e ele olha pro chão. Chega o café. Sem açúcar, do jeito que ele toma. Ele dá um gole e ela continua olhando em volta. Ele fixa os olhos no rosto dela e pergunta:

-Quando foi?

Ela olha pra ele. Estava esperando essa pergunta. Ela conhecia ele como ninguém.

-Ontém à tarde.

Ele sente um frio na barriga. Ele poderia ter evitado aquilo. Sempre se pode evitar.

-E por que? Não estávamos bem?

-Você sabe que eu me senti vazia. Às vezes você me faz sentir abandonada.

Ele desvia o olhar. As coisas não deviam fazer tanto sentido na hora imprópria. Ele não quer mais falar com ela. Olhando o padrão da tapeçaria pendurada na parede ele toma mais um gole do café.

-Você não quer mais me ver? - Ela pergunta.

-Eu não vou mais te ver. Possível que não me deixem mais te ver.

-Esses seus amigos sempre atrapalham tudo!

Ele suspira exalando raiva. Se fumasse fumaria um cigarro agora, mas ele parou. Toma mais um gole de café.

-Olha aqui - diz ela - eu acho isso ridículo. Você é ridículo. Eu sou dona da minha vida e faço o que eu quiser. Você tem mais alguma coisa pra falar comigo?

Ele levanta da mesa sem dizer nenhuma palavra. Dá cinco passos em direção da porta. Para e diz:

-Na verdade eu tenho.

Tira do bolso o revolver e dá dois tiros no peito dela. Volta à mesa e toma o resto do café. Deposita a arma do lado da cabeça dela e susurra no seu ouvido:

-Você me irrita!