sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ana Voava


Ana voava
No céu semi-nua
Brincava de lua
E escandalizava

Cidade pequena
Sem entender
Queria esconder
A fada morena

Mas Ana brincava
O céu o seu lar
Seu ser singular
Ninguém afetava

O padre perneta
Ficou revoltado
Disse indignado
Que era o capeta

O pai, por Deus
Pediu que descesse
Antes que padecesse
Da fúria dos seus.

Ana fugiu
No meio da noite
Em chuva de açoite
Ficando febril

Viu a cidade
De Carros e luzes
Luas e cruzes
Nova novidade

Desceu e então
Virou um frisson
Ganhando neon
E televisão

Depois o jornal
Depois a igreja
Depois a peleja
Intelectual


Voltou para casa
Dessa vez a pé
Voltou à sua fé
Fugindo da NASA

Então se casou
E teve menina
Chamada Celina
Nunca mais voou.

Mas hoje Celina
A lua olhou
E leve voou
Sem medo da sina.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Na Janela


Era fim da tarde e ela tomou um banho demorado. Se arrumou como fazia todo dia e foi para a janela esperar. A notícia do último mensageiro tinha boas chances de estar correta.
Ela não estava sozinha nessa. Diversas mulheres aguardavam na porta de suas casas. Eles, os maridos, partiram em três grupos. O dela foi com os primeiros, pois era um dos mais fortes.
Os olhos cheios de esperança, esperaram. No horizonte os últimos raios de sol morriam quando ao longe se vê a nuvem de fumaça e o canto de vitória. O trote dos cavalos aos poucos vai aumentando. Os guerreiros, que na verdade são pastores, erguem orgulhosos os seus bastões.
Ela procura avistar seu querido no meio da nuvem de areia. Mas a bandeira que tremula é a do terceiro grupo. Ela tem ainda esperança. Ouve vindo das outras casas a alegria das outras mulheres. Elas pegam os bastões das mãos de seus maridos e honram com a dança a arma que os trouxe de volta vitoriosos. Ela se imagina dançando também. Ensaia alguns passos e dança sozinha em casa. Continua a dançar até ficar exausta, deita no chão e dorme. Ele não voltou hoje.
No dia seguinte repete o ritual. Os homens que chegaram no dia anterior disseram que talvez seu marido regresse com o segundo grupo que ficou desmontando as barracas. Mais uma vez ela se banha. Mais uma vez se arruma. Mais uma vez espera na janela. Já é noite alta mas ela não interrompe sua vigília. Quando seus olhos estão prestes a fechar ouve-se novamente a cantoria, mas dessa vez com menos ânimo. Acendem-se as tochas das casas e as mulheres, muitas das quais desarrumadas já, correm ao encontro da nuvem iluminada pelas tochas dos guerreiros. Na mão os bastões. Repetem-se os abraços e as danças. Felicidade no meio da noite. Mas ele não voltou dessa vez.
Ela passa agora um mês repetindo o mesmo ritual. Aguarda ansiosa todo dia na janela. Depois de algumas semanas, passa a dormir na porta da casa. Já não se arruma mais e nem se banha. A esperança vai se esvaindo até que numa manhã insone vê surgir ao longe novamente a nuvem, dessa vez sem cantoria. Poucos homens montados voltam carregando alguns bastões. Um deles desmonta, vai até a porta dela e deixa aos pés dela um bastão. O bastão do seu marido. Ele não voltará mais.
Ela pega o bastão, dança e finalmente dorme tranqüila.