sexta-feira, 24 de agosto de 2007

BORING?


Grandes sucessos nas décadas de 50 e 60 e imortalizados por Fred Asteire e Gene Kelly, os filmes musicais perderam bastante espaço no mercado mundial nos dias de hoje. Talvez o grande motivo para o abandono desse estilo de filme pelo público seja a falta de naturalidade nas cenas, por exemplo, para a grande maioria não é nada normal uma pessoa cabisbaixa começar a cantar e dançar suas tristezas com coadjuvantes bailarinos dançando a sua volta.

A fuga da realidade e o apelo ao fantasioso existente nos musicais são pontos bastante criticados por muitos cinéfilos que alegam que esses apelos desviam o público absurdamente para fora da realidade, tornando-o alienado e desviando-o dos problemas que realmente teriam importância na sua vida. Mas, será que se deve entender os musicais somente por esse lado maléfico e alienante? Ou seria melhor procurar fazer como o sociólogo E.Morin em seus estudos sobre o cinema e a televisão e participar desse espetáculo para podermos entender qual é o impacto que esse gênero realmente tem na sociedade.

No final do filme A rosa Púrpura do Cairo de Woody Allen a garçonete Cecília acaba abandonada, triste e sem saber o que fazer, tem como última atitude antes que os créditos subam a ida ao cinema para assistir Fred Astaire e Ginger Rogers que dançam ao som de “Cheek to Cheek” de Irving Berlin e aos poucos volta a sorrir, fugindo mais uma vez dos seus problemas da vida real, procurando a saída no estilo de filme musical, saída que muitos procuram e procuraram durante vários anos. Não seria certo atacar essa forma de cinema pelo seu apelo ao fantasioso sem que não entendamos quais funções elas exercem na vida das pessoas.

A grande maioria do público dos musicais os procura já sabendo que são eles irreais, fantasiosos, e que, excluindo-se algumas exceções, não incluirão muitos debates filosófico-existenciais que possam ser usados de maneira prática em suas vidas, mas sim a procura do auge final, o ápice musical e a cena final onde as gruas costumam elevar a câmera para o enquadramento final, esses filmes são procurados porque neles o ruim não acontece.

O melhor exemplo de musical que não se enquadra no padrão hollywoodiano imposto é Dancer In The Dark de Lars Von Trier. Considerado o um dos maiores manipuladores de emoções, Lars Von Trier conseguiu no filme estrelado pela cantora Björk tornar um musical em um dos mais tristes filmes já produzidos. Ao contrário dos musicais padrões, Dancer In The Dark não tem hordas de bailarinos bem treinados, coreografias ensaiadas e nem finais glamourosos dignos de Hollywood, mas sim poucos recursos cinematográficos, pouquíssima maquiagem e musicais pouco trabalhados. Ao contrário do que parece isso não deixa o filme nada pobre, pelo contrário, essa é a intenção do diretor e o charme do filme.

Gravado totalmente com câmeras digitais, aproximadamente 100, as relações humanas tratadas no filme ficam muito mais próximas da realidade, aliás, a geração pós-moderna assiste a si mesma reproduzida em megapixels em suas telas de LCD. As cenas desfocadas, as cores frias e o balançar da câmera fazem com que o expectador tenha a impressão de estar presenciando um noticiário sensacionalista, ou até mesmo um reality show daqueles de domingo a noite. Lars também ao se apossar totalmente do uso das câmeras digitais cria um diálogo tanto com as grandes empresas cinematográficas quanto com os expectadores sobre o quão possível é criar um bom filme se apoderando dos meios tecnológicos existentes sem que sejam necessários bilhões de dólares em investimento para que um filme de qualidade seja produzido.

Outra magnífica realização de Lars Von Trier durante Dancer In The Dark são os momentos onde realmente ocorrem os musicais, esses são os únicos momentos onde os tons frios são abandonados e engolidos pelos tons quentes, fazendo com que os expectadores lembrem que aquilo não é a vida real, a vida real de Selma (Björk) é muito mais fria que aquilo, e que todas aquelas canções e danças estão apenas dentro da imaginação da protagonista, ao contrário do que se vê nos clássicos musicais onde quando há canções tudo é real e acontece mesmo. Essa técnica relembra sempre aos olhos do observador, que apesar de ser um filme e que tudo nele possa acontecer, nem tudo é realidade, fazendo assim com que o expectador possa dialogar interiormente sobre o que seria melhor assistir, a realidade difícil, feia e crua, mesmo que ela seja a verdadeira, ou uma história totalmente fantasiosa e bela, convidativa e até mesmo anestesiante, embora nada daquilo possa ser levado a sério.

Por fim vale lembrar a questão da cegueira bem tratada no filme, mas não simplesmente como uma mazela que afeta os olhos de algumas pessoas, mas como uma sina que pode perdurar por gerações se nenhum sacrifício for feito. Será que a geração dos reality shows não está cega ou ficando cega para a realidade e o pior de tudo, sem se importar com a futura geração que herdará nossa cegueira se nada for feito? Cegueira essa cultural, política, entorpecente das mentes da pós-modernidade que não mais se preocupam com os problemas reais e sim com o que farão para prazer próprio de suas vidas repetitivas de operários do sistema consumista.

Um comentário:

Prof. Robinson disse...

heheheh, como imortalizou o filho do Austragésilo... APARECEU A MARGARIDA!!!

Ótimo texto...