quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Estranho...


É estranho

É estranho querer te mais perto, sendo que já está em mim.

É tão presente nesta sua ausência que relendo as coisas que escrevi percebo que você nunca foi embora.

Esta dificuldade de escrever, o momento da pausa entre o papel e a caneta, não é a minha essência, é a dificuldade de admitir sua singularidade e não saber como descrevê-lo.

Não sei se você é só sorriso, até nos momentos de angustia, se foge do mundo para encontrar a vida, para respirar, para se salvar, para ser um pouco eu; sem você saber.

Ou seria eu tentando ser você... querendo ter você.

É confuso, medonho.

Tanto que chega a ser inaceitável, saber que está tão longe e aqui dentro.
E este sonho doi tanto na vida real.

“Em algum lugar bêbada em 2006”

2 comentários:

"Cris" Mimar e Adocicar disse...

Todos querem ser poetas, e acabam por matar alguém...

Anônimo disse...

O vazio e o vir a ser



A vida pode acabar numa vírgula, numa letra soletrada errada – diga-se morte ao invés de sorte e é o fim – num fortuito, o lapso e o acidente, tão insignificante em si mesmo diante da gigantesca engrenagem que acreditamos construir para alicerçar nossas vidas, mas que se alicerça sobre areia movediça.

Quimeras, bobagens, embrulhos, imbróglios. Como tudo isso a que damos tanta importância, e tecemos leis, e gritamos ordem pelo Estado, e juramos pela nossa honra, e nos convencemos em nome da família, e cobiçamos por status, como tudo isso se esfacela diante das cores sólidas, insustentáveis e impalpáveis de um pôr-do-sol!

O que garante o vir a ser? O sentimento de continuidade no tempo? O senso de que existe uma identidade?

Tão abismal quanto uma fatalidade do destino, por exemplo um terremoto, a queda de um avião ou um acidente de trânsito, pode ser a descoberta imprevisível de um vácuo dentro da gente, a ausência de um ‘eu’, um buraco na identidade, que segundos antes afigurava-se tão estruturada, mas que foi tragada num passo em falso na areia movediça. Em nossa sociedade, construída pelos tijolos de pó do consumismo e da celebração da celebridade, esse passo em falso está sempre a um palmo, e pode ser a loucura, a adição em drogas, a briga com quem amamos (a ausência de amor), a neurose, a perda de si.

Sobretudo em nosso mundo não existe mais o ‘outro’, na simetria mesmo de não existir um ‘eu’ que se ponha em dialética com o ‘outro’. Cada vez são mais comuns as festas em que os jovens se entorpecem com drogas estimulantes e músicas ensurdecedoras “tum-tum” na cabeça e varam a madrugada eletrizados, dançando – dançando?! – e acham natural e se gabam de terem “ficado” (beijado) meia dúzia de pessoas numa mesma noite.

O relato que uma amiga me fez mostra bem o drama disso tudo. Um colega ligou-lhe por volta da meia-noite de uma sexta-feira insistindo para que ela o acompanhasse para comer um lanche e conversarem. Ela estava com sono e já pensando em dormir, enquanto ele voltava de uma festa. Por insistência dele, ela o acompanhou. No decorrer da conversa, ele se gabava de ter beijado cinco ou seis meninas naquela noite. Entediada e com sono, minha amiga retrucou-lhe: “e não sobrou nenhuma para lhe fazer companhia?”.

Pois bem: o vazio. Quem sou ‘eu’ diante do ‘outro’ quando este ‘outro’ só me serve como um meio de trazer-me satisfação sensorial? Perante o olhar dele, ‘eu’ sou alguém ou também apenas um meio para satisfazer-lhe sensações?

Duvido que possa haver a experiência de ‘ser’ sem que isso implique em uma dialética com o ‘outro’, e nesse mundo em que vivemos cada vez existe menos este ‘outro’, e no ‘eu’ cada vez mais o vazio.



Autor: André Augusto Passari