quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Cinzas da Quarta-Feira

"Eu só queria poder ver teus olhos,
Ouvir seus ouvidos,
Falar sua boca,
Provar sua língua,
Sentir sua pele..."

O papelzinho amassado que trazia a poesia ainda estava na sua mão quando ela chegou em casa com a fantasia num saco de lixo preto, vestindo camiseta e bermuda nas cores da sua escola.
Ele não apareceu. Já fazia uma semana que ele não aparecia.
Ele prometeu que não faltaria ao desfile. Mas desde que ela contou, ele nunca mais apareceu. Maldito mundo de homens amados, inseguros de serem queridos e covardes quanto às conseqüências.
Ela escreveu pra ele, mas ele nunca leu. Amassou o papel e jogou de volta pra ela. Ele chorou e ela fingiu sorrir.
O desfile foi cansativo. O salto acabou com seu pé, mas nos dias de hoje passista que se preze tinha que usar salto.
A manhã da quarta-feira estava nublada. O dia estava feio e cinza. Ele não apareceu. Tinha vontade de chorar, mas guardou. Sentou-se exausta na escada na frente do portãozinho do germinado onde morava com os pais. Ouviu os passos de sua mãe saindo de casa. Ela estava indo pra missa.

- Bom Dia minha filha, vamos à missa?

- Não mãe, eu estou cansada... acho que só preciso pensar um pouco.

A mãe seguia em passos curtos rumo a igreja que não ficava muito longe dali.
A rua vazia parecia aumentar a dor que ela sentia no peito.
Há 15 dias saiu o exame que confirmou. Ela estava grávida. Ela sabia que era dele. Ele não acreditou.
O vizinho da frente ligou baixinho o som, como fazia toda quarta de cinzas desde que ela era bem pequena. Ele dizia que era pra se despedir do carnaval. Colocava os vinis dos sambas de antigamente.
Como ela iria pagar tudo? Como iria contar para os pais? Ela ainda não tinha nem começado a faculdade.
O choro chegou de vez e rompeu a barreira. O desespero tomava conta dela.
Sentiu uma mão de menina enxugar uma lágrima do seu rosto. Olhou e se viu criança, sorrindo na frente dela. Ela costumava sair esse horário de casa nas quartas de cinzas pra ouvir os sambas de antigamente que vinham do vizinho.

A voz de Chico chamou:

"Ela desatinou,
viu chegar quarta-feira
Acabar brincadeira,
bandeiras se desmanchando
E ela inda está sambando."

A menina que não lembrava a passista de hoje ensaiou passos desajeitados e infantis no meio da rua. Puxou-a pela mão e com uma gargalhada despreocupada rodou pela rua ao som do samba. Ela sentiu com prazer as primeiras gotas da chuva lavarem a maquilagem e rindo dançou consigo mesma. Esqueceu-se por um instante de tudo e como criança sambou.

Um comentário:

"Cris" Mimar e Adocicar disse...

Quarta cinza, terça cinza , quinta cinza...

A cor de São Paulo